Antônio da saudade


Qualquer fila gera comentários. Essa é a história de um homem em uma fila de banco qualquer. Um senhor de aproximadamente 60 anos chega na agência bancária para marcar seu lugar na fila. Ele tem um cheiro que todos identificam, mas ele próprio não sente. Com a blusa mal passada e um guarda-chuva na mão, ele parece lamentar ter que esperar. Cansado, ele pega o lixeiro branco que está na sua frente e o ressignifica.  O lixeiro vira uma poltrona para as pernas sexagenárias e impregnadas de artrose. Tenta reivindicar seu direito na fila, por ser idoso, mas sem sucesso, todos na fila têm a cima de 60 anos. O queixo escorado no cabo do guarda chuva revela a sonolência daquele senhor. Ele tenta puxar conversa com as outras pessoas que estão na fila, mas estas parecem o rejeitar. Até que uma senhora lhe pergunta a hora. Constrangido, ele responde que não sabe. O relógio, presente de sua mulher, está parado há um bom tempo, desde que ele ficou viúvo. Para ele o tempo estagnou ali. Ele sente os buchichos em suas costas. Em meio a tantas dores, para ele os buchichos são cócegas.

Divagando em seus pensamentos, ele percebe que a comandante das risadas e das fofocas é a mesma que lhe dá o Pão de Cristo na missa dominical. Todos conversam e o senhor fica isolado, perdido nas histórias, pensamentos e lembranças.  Além de tudo, ele tinha um bom humor. Pensavam que ele era louco porque de vez enquanto soltava um sorriso. Enfim, um conhecido chegou. Antônio era o nome daquele homem. Agoniado, Antônio despejou inúmeras palavras, que tinham sentido para ele, e o conhecido lhe escutava com uma paciência infinita. Antônio disse: “O relógio parou, a geladeira secou, a roupa sumiu, o sabonete também, e essa confusão foi só por causa da chuva”. O conhecido parecia conhecer Antônio há bastante tempo e parecia compreender o que ele dizia. Antônio tinha pressa em falar, como se aquele momento fosse o último da vida dele.

Antônio olhou para o lado e viu uma senhora com uma expressão de dor. Cavalheiro como ele só, foi até lá e perguntou se ela queria sentar no lixeiro. A mulher se sentiu ofendida e mandou-o ir embora. Antônio insistiu. E ela insistiu em recusar. Antônio começou a ficar irritado e com a voz áspera e elevada ordenou que ela se sentasse. A mulher resistiu. Antônio, com muita raiva da mulher e de toda a humanidade, sentou no chão e colocou o lixeiro em sua cabeça. Ficou no mundo particular e então lembrou que aquele dia era um dia especial. Era dia de pagamento.  Tirou o lixeiro da cabeça e sorriu. Com a confusão o conhecido havia ido embora.

Na hora de sacar o dinheiro o cartão de Antônio deu problema e ele começou a se aborrecer. Na verdade, ele estava aborrecido com duas moças velhas que ficaram o torturando com piadinhas. Falaram de sua camisa mal passada, de seu nariz pontudo e do seu mau cheiro. Resolvido o problema do seu cartão, Antônio pegou as nove notas de cem reais e começou a passar por todo o corpo e disse “espero agora ficar cheiroso. Cheirando a sociedade civilizada”. Todos o acharam louco, mas para Antônio ser chamado de louco era um elogio. Assim que Antônio saiu do banco, a chuva começou. Ele abriu o guarda chuva e o colocou na frente do seu peito, como se fosse uma armadura. Gostava de esfriar a cabeça com a água da chuva. Como mora numa região seca fazia tempo que sua cabeça estava quente. A coisa que deixa Antônio mais irritado é chamá-lo de “Seu Antônio”, pois tem consciência que esse não foi o nome que seu pai lhe dera. Na manhã seguinte, Antônio acordou triste porque tinha acordado no mesmo lugar e na mesma mesmice. Apesar da artrose, da catarata, das dores na coluna, o que mais lhe doía era a saudade. E pra essa dor não havia remédio. A chuva caiu, Antônio chorou e a saudade acabou.

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