Fingimento cretino


Quando pensaram pela primeira vez em ficar juntos fizeram expressão de nojo, simultaneamente. Apesar de se conheceram há alguns anos os dois se abraçavam perdidas vezes. Quem os observava de longe notava uma certa aproximação no olhar e quem os analisava de perto sabia que daquele mato nunca sairia um “Eu te amo”. Um era ignorante, mas compreensivo. O outro era sensível, só que egoísta. Não sentiam frio na barriga quando se viam. Ajudavam um ao outro, mas sem segundas intenções ou beijo de agradecimento. Era uma relação infinita até que a morte chegasse.

            Acontece que os dois tiveram que fingir. Fingir que eram apaixonados. Eram dois atores cretinos. Fingiram estar fingindo. Fingiram tão bem que se esqueceram deles e viraram personagens. E aí começou a temporada de beijos, abraços, amassos. Nada de promessas, afinal era um fingimento consciente. A decisão de “desencarnar” os personagens só veio quando um sentiu pela primeira vez uma sensação esquisita. Descrevia dessa maneira: “Não sei, tá estranho, os nervos estão empolgados e os pensamentos fixados em um único objeto de estudo”. Diante do perigo que corria e apavorado pelo medo do novo sentiu a necessidade de encenar uma peça engraçada.

Enquanto isso o outro permanecia feliz com sua interpretação, digna de prêmios, mas não percebia que era digna da realidade. Sonhava tanto com o par perfeito, idealizava sem parar que estacionou em frente ao seu sonho e não soube o que fazer. Na verdade, a idealização nunca foi o ideal pra ela. Sentia até medo de encontrar o padrão. E então, quem poderia resolver tal situação? Quem ou o que poderia abrir os olhos angustiados dessas criaturas? A interrogação é o que move essa união ou desunião. Podem ser definidos como seres exclamativos, porém não se questionam e não buscam resposta para suas interrogações e os diálogos nunca terminam, tornam-se prisioneiros das reticências.

Dois cretinos apaixonados. Dois corações racionais e dois cérebros movidos pelo encantamento. Eles sabem que “quem não tem visão bate a cara contra o muro”, mas não acreditam que seja uma direta pra eles e sim uma indireta pra tantos outros. Um espera a declaração do outro, porém sem necessidade. A compreensão de um, aceita o egoísmo do outro e a sensibilidade faz esquecer a ignorância, por algumas horas.

A interpretação parece sufocá-los e quando assumirem que tudo não passa de um fingimento fajuto, digno de troféu abacaxi, eles serão amigos inseparáveis, bons companheiros e excelentes brigadeiros. Mas, o moinho tem que ser grande pra moer o que ainda vem, afinal eles ainda estão nos 20 e poucos anos. No momento eles só têm vontade de serem mais velhos sem sair dos 20 e poucos e conquistar o mundo com a pressa que os 20 parece oferecer. Eles só querem tocar gaita, serem gaiatos e soltar algumas vaias. A valsa fica restrita ao sonho e a serenata às lindas e perfeitas histórias de amor.

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