Futebol entre o sagrado e o profano - A história de Leopoldina Jesus dos Santos
Leopoldina
de Jesus dos Santos frequentava a igreja duas vezes por semana. Nas
quartas-feiras ia pela manhã ao recinto religioso, munida de um terço com cores
pretas e brancas. O objeto se entrelaçava em sua mão com tanta intimidade que
dava pra imaginar que havia nascido com ela. Pedia que o todo poderoso
abençoasse seus atletas. No domingo, depois do jogo, ia pra missa agradecer
pelo resultado ou se desculpar pela a atuação da equipe. Mulher batalhadora,
moradora do Grajaú (distrito de São Paulo), devota de Santo Expedito,
responsável pelas causas impossíveis. A senhora de traços marcantes, expressões
de efeito no rosto, mora numa pequena casa. Aos dezoito anos foi ao cartório
retirar seu último sobrenome, considerava uma vergonha levar o nome do Santos
na sua identidade.
O
altar levantado no centro da sala foi em homenagem a Expedito pela promessa
realizada e ao lado da imagem do santo havia inúmeros quadros do seu time do
coração, o Corinthians. A torcedora corintiana viajou mais de 1.000 km para
torcer pro seu time, com grandes chances de ser rebaixado. Em 2007, Leopoldina
estava no meio dos loucos, derrubou lágrimas no Estádio Olímpico. Uma louca
apaixonada (é até redundância, toda paixão é uma certa loucura), movida pela
fé, pela crença que os jogadores do seu time são heróis, semi-deuses que entram
em campo pra disputar uma batalha. E aquela batalha contra os soldados do
Grêmio, donos do território, seria difícil. Vestida com a blusa do time, já
gasta por tanto tempo de uso, um short preto, uma sandália branca, e o terço.
No bolso, a carteirinha de sócia da fiel torcida. Torcedora oficial. Na mão
esquerda segurava o rádio para acompanhar o jogo entre Internacional e Goiás,
pois dependendo da combinação de resultados o Corinthians poderia escapar da
segunda divisão.
Os
olhos fixados na partida, os ouvidos concentrados nos ruídos propagados pelo
velho rádio, o coração batendo acelerado, a boca profanando palavras
antipáticas ao árbitro e bandeirinha e os pensamentos envolvidos na esperança
de intervenção de Santo Expedito naquela batalha. Colocou o rádio no seu assento e matou sua
sede com um gole de cerveja. Estava com a garganta seca de tanto rezar. Invocou
Nossa Senhora quando a torcida parou de se manifestar. Pediu a bênção da virgem
santíssima para o bando de loucos, talvez um pouco de juízo pra que aqueles
heróis do gramado pudessem trazer de volta a honra do timão. As orações da
torcedora pareciam se perder dentro da casa dos adversários. No primeiro minuto
do jogo o Grêmio abriu o placar e calou a torcida alvinegra. Porém, Leopoldina
não estava desacreditada e com sua fé puxou seus companheiros para gritar e
empurrar o time “Eu acredito”. Ela acreditava no Corinthians assim como
acreditava em Santo Expedito.
O
gol do Corinthians demorou, mas quando apareceu Leopoldina agradeceu pela a
ajuda celeste e fez o gesto de uma banana para a torcida anfitriã. Clodoaldo
era o nome do herói, o iluminado, que juntamente com seus parceiros ressuscitou
a esperança daquele time sofredor. Agora era preciso apenas mais um gol do timão
e a derrota do Goiás. As preces de Leopoldina não foram atendidas e a partida
terminou empatada e o segundo candidato ao rebaixamento brilhou no Serra
Dourada. Venceu o Internacional e ficou um ponto a frente do time da devota de
Expedito.
Leopoldina
desejou que o árbitro sofresse um acidente, rogou praga para os jogadores
gremistas, pediu ao Senhor que acalmasse o coração dos seus meninos, que
naquele dia haviam falhado. Voltou para São Paulo descrença de Santo Expedito,
ele tinha parte da culpa pelo o que havia acontecido. Deixou a imagem do santo
virada pra parede por uma semana. Depois que a decepção passou pediu desculpas
ao santo, limpou o quadro do Corinthians e tinha certeza que no ano seguinte
iria colocar em sua sala mais uma imagem do seu time, “Campeão da série B”.
Leopodina é uma fiel convicta. No mês seguinte comprou uma nova blusa para
acompanhar os jogos. Na parte de trás da camisa escreveu: “Eu acredito”! No
campo de futebol tudo faz sentido, contanto que você acredite. O Clube é uma divindade
e o profano e sagrado andam de mãos dadas.
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