O inferno de Hermila e o céu fantasioso de Suely




O filme O céu de Suely, do diretor Karim Aiñoiz, retrata a vida de uma jovem sonhadora que busca a felicidade e não mede esforços para encontrá-la. Como acontece com muitos nordestinos que se aventuram em São Paulo, a personagem regressa para sua terra natal, Iguatu, e fica a espera do pai de seu filho que nunca volta. Mas, qual o preço dessa felicidade? Para conseguir uma vida melhor, o seu céu, a jovem promove uma rifa ofertando seu próprio corpo como prêmio. A história desenrola-se nesse contexto, trazendo elementos ousados para a constituição do filme. O longa caracteriza-se por apresentar uma narrativa lenta, com a presença de simbolismos, olhares, silêncio, cortes abruptos de uma cena para outra. Mas a característica central do filme está na simplicidade da narrativa e dos personagens.

O tom humanista, naturalista e realista presentes no filme são elementos marcantes para o desenrolar da história. Traz em cena o foco da pobreza, na periferia de Iguatu, através de planos abertos que retratam o espaço em que as ações acontecem. Mesmo sem apresentar a tradição árida e sertaneja de outras película, não foge do caminho de várias produções que representam o Nordeste. Em o céu de Suely também se vê alguns estereótipos. A própria representação de Iguatu, que mais parece uma rua do que uma cidade, as duas amigas cheirando acetona e a cena de Hermila (Hermila Guedes) e sua amiga dentro da geladeira, para representar o calor em Iguatu. Esta última revela um caráter cômico, mas na verdade é uma cena totalmente desnecessária e que foge da realidade.

A narrativa aproxima os atores com seus personagens, pela questão naturalista, no qual os próprios intérpretes dão vida e nome para a construção de seus papéis. Destaque para a interpretação simples, mas convincente, mesmo que algumas vezes tenham escorregado no sotaque. A sonoplastia, de Berna Ceppas e Kamal Kassim e a fotografia, de Walter Carvalho, contextualizam bem a ação das cenas e a localização do ambiente. Os cortes de uma cena para outra revelam a passagem do tempo. Tempo que não espera por ninguém, nem por Hermila (Hermila Guedes). E esse mesmo fator que vai trazer a tona a então desconhecida Suely. Para encontrar a tão sonhada felicidade, Hermila deixa de vender sua rifa de uísque para rifar seu corpo, mais um fator do tempo. A personagem não queria ser conhecida como uma prostituta, criando uma fantasia do seu próprio céu, enganando a si mesmo. Para preservar a Hermila, surge a Suely. Sem medos e com um único objetivo: ir embora para o lugar mais longe possível de Iguatu.

A transição de Hermila para Suely apresenta-se num jogo de tensão e depois de alívio. Tensão por não saber o que irá acontecer, por perder a confiança de sua família, por estar desiludida com a vida e com medo de um novo amor, o qual ela ria uma barreira de proteção. Alívio, apenas no desfecho. Por ter a sensação que mesmo deixando sua cidade para trás sem sua família e sem um possível novo amor, ali começa o início de uma nova vida e o caminho para encontrar o fantasioso. E mais um vez o tempo age como elemento fundamental para toda ambientação e desenvolvimento de novos sonhos.

Os olhares, o silêncio, os diálogos, a concepção de tempo e espaço para constituir a ação possuem uma contextualização que torna possível descobrir quem é Hermila e Suely. O caráter introspectivo do filme revela o sofrimento, as emoções, os desejos da personagem para os espectadores. Para suely, ali não começava a saudade de Iguatu, mas a idealização de uma nova vida, deixando para trás o céu nublado de Hermila, tudo determinado pelo tempo.


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