Os ensinamentos de um sábio
Meu avô sempre sentava no banco de pau que tinha na casa amarela. Ao lado dele ficava o rádio de mão que escutava a missa todo santo dia. O que mais me impressionava era como ele conseguia ser tão sábio sem nunca ter aparecido numa escola, seria educação de berço? Num sábado à tarde cheguei ao alpendre e sentei ao lado dele, ele começou a contar uns causos do tempo de quando ele construiu aquela casa. Em um momento da história me deu vontade de saber que horas eram e aí eu falei: “vovô, vou ali à sala olhar a hora”. No mesmo instante ele respondeu: “esse povo novo se acomoda com tudo que inventam, até com um relógio; num sabe a hora de cabeça, não? Vocês num são a geração do futuro? como podem ser futuro se dependem de tudo? A hora se repete todos os dias e você ainda num sabe que hora é essa? Minha filha olhe pro horizonte e o sol desaparecendo... e agora ,com essas dicas que eu lhe dei, ainda precisa de um relógio?” Eu fiz uma cara de espanto e interrogação e então eu falei: “ é, vô, pra quê relógio? Deve ser umas cinco horas...” Ele me interrompeu no mesmo instante: “ seja precisa na sua vida. Até na hora. Mas, você errou, falta de observação, respondeu só por pressão, sem pensar. Agora são 17:45”.
Ir para o sítio era sempre um aprendizado, meu avô era o mestre, ele parecia que tinha PHD em assuntos relacionados ao campo e à vida. Mudando de assunto, eu perguntei ao meu avô o que ele achava que tinha atrás da serra que ficava bem de frente ao alpendre; ele olhou, observou, demorou a responder, até pensei: “Nossa, minha pergunta foi tão errônea que meu avô nem sequer vai responder”. Depois de alguns minutos, ele levantou a mão, pegou seu cigarro brabo e finalmente respondeu: “Pergunta interessante, você só errou na escolha da palavra. Eu não acho, eu tenho certeza, achar é coisa de gente sem opinião. Por detrás dessa serra, minha filha, existe tudo o que você queira imaginar que exista, mas para conseguir chegar lá é preciso acreditar mesmo nisso”! Eu me pronunciei: “o senhor já conseguiu ir lá”? Ele disse: “Não. Por que eu não acredito e nem quero imaginar, as coisas que nós imaginamos raramente acontecem do jeito que imaginamos, então prefiro os pensamentos reais”. Agora meu avô que mudou de assunto e falou: “Há uns dois dias eu fiz um texto sobre esse lugar, que está guardado, quer ouvir”? Ocorreu-me uma dúvida: “Como o senhor fez um texto se não sabe escrever, e tá guardado aonde”? Na mesma hora ele disse: “As coisas não se guardam apenas no papel, e sim, realmente eu não sei escrever, por isso que gravei na minha memória”. Sem esperar por resposta, ele começou a dizer:
"Cascata que corre entre as pedras nos raros dias de chuva, logo atrás do muro amarelo. Serra que enaltece e faz com que exista um único momento de paz e tranqüilidade, serra que me faz caminhar sobre a névoa das 5h e que me faz pensar que ali, bem ali é a linha do extremo horizonte. Alpendre que me faz suspirar e acreditar que existe vida pós-montanha. Curral onde eu indago e reflito sobre minhas emoções, ah! E minhas companheiras naquele instante (as vacas) me compreendem muito mais em segundos com um belo mugido, do que uma longa conversa com qualquer ser humano. Subindo no pé de cajarana descubro porque os heróis gostam tanto de voar, tento imitá-los, mas esqueço que na minha produção não há efeitos especiais e o máximo que consigo é acreditar que posso voar. Nada é tão prazeroso como está no alto do terraço dessa casa, de lá tenho a visão de tudo que eu sonho. Quando estou lá me desligo inteiramente desse mundo problemático e de mata-mata, parece até que lá não é uma parte do mundo, mas sim um pedaço do céu... A passagem dos dias é quase imperceptível. Bom, os anos se passaram, todos cresceram e chegou o domingo, dia de voltar pra casa e na segunda-feira enfrentar a “Civilização caótica”. Eu sabia que seria o único que continuaria aqui... Agradeço a Deus por me fazer conhecer o paraíso antes que todos o descobrissem. Ô serra bonita, eu vou e tu ficas!”
Depois disso, não consegui perguntar mais nada, só pedi a bênção e dei um beijo em seus cabelos ralos e brancos. Fui jantar e ele foi se deitar na sua rede, e continuou refletindo, sua maior arte.
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