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Mostrando postagens de 2016

Aviões fantásticos e outras histórias

É interessante observar o olhar de admiração/curiosidade/afeição/estranhamento que as pessoas esboçam com a chegada de um avião. Ontem estive no Aeroporto de Juazeiro do Norte e não pude deixar de notar aqueles olhares desnorteados e ao mesmo tempo focados em direção a um lugar: a pista de pouso. Do garotinho no braço da mãe à espera do pai ao velhinho que carregava em sua expressão a agonia da saudade. Olhos curiosos dançando pra lá e pra cá, numa valsa bem ensaiada e com  seriedade de m tango legítimo. Olhares aflitos na imensidão do horizonte que não apontava nenhum passarinho gigante pronto pra posar.  Um clima de agitação se instalou quando um homem gritou “Lá vem ele”. E o garotinho dizia “É papai, é papai”. Quando o avião posou foi possível sentir o alívio daquela gente que mesmo admirando a performance daquele negócio enorme, ainda não consegue confiar totalmente. São tantos “Graças a Deus” juntos que mais parecem ecos. Seguidos por “Tem que ser muito inte...

Atraso

Ninguém sabe o dia que parte Menos Seu pereira Que sabia e não escondia Seria num dia qualquer de outubro Vítima de enfarte Padre Cícero teria lhe adiantado o assunto O finado mês chegou Seu Pereira começou os preparativos  Estava pronto pra enfrentar seu destino Se é pra morrer tem que ser com dignidade Jamais de improviso Encomendou caixão, velas e ingredientes pro caldo Chamou até gente pra fingir saudade E ficou de sobreaviso Convidou o povo pro velório Outubro passou e nada aconteceu Seu Pereira indignado continuou o falatório Sobre sua morte que não veio Diante do imprevisto Percebeu que aquilo era um sinal De que talvez fosse imortal Deixou de tomar os remédios Acendeu o cachimbo Foi refletir lá pras banda do quintal E passou o resto dos dias morrendo de tédio No alpendre divagou Sobre o tempo e o destino De repente lhe deu uma caganeira E Diante de uma suadeira e grave situação Seu Pereira morreu naquele dia...

Não dirigir é normal

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Tenho 24 anos e não dirijo. Sinto-me julgada. Sou passageira, nunca motorista. Qual o problema? Estou só de passagem mesmo. Você conseguiu aprender a dirigir? Parabéns, mas não sou igual a você. Não dirigir é normal. Gosto de andar percebendo a cidade, observando a gente. É desse gostar que encontro inspiração para escrever minhas crônicas, poemas. É numa viagem de ônibus entre Crato e Juazeiro do Norte que me deparo com situações inusitadas, clichês do cotidiano e personagens do nosso interior espetacular. Às vezes caminho distâncias que outras pessoas só passam de carro. Apenas passam. Passar pela cidade não é o mesmo de observá-la, percebê-la. Claro que andar de carro é bom. Quem falou o contrário? É rápido. Útil. E nesse sol da bexiga e calorzão sertanejo é melhor ainda. Pois bem. Depois de muita insistência (e porque eu quis também) caí na besteira de ir pra autoescola. Fiquei nervosa no dia da prova prática e nas outras vezes que coloquei a chave na ignição. ...

Se não tem café...

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Se não tem café o dia não começa Permanece madrugada Tardezinha e nem acordei ainda O cheiro do pretinho é um ‘Bom dia’ necessário Se não for pronunciado não vale a pena ir até a esquina Café é sobrevivência, companheiro, conselheiro despertador das pálpebras caídas do bocejo, do cansaço, da preguiça Deposito nele a confiança do acordar mesmo já estando de pé   Empurra, tira essa ressaca, hoje é segunda-feira, ajuda na batalha A vida pede um gole de café Se não tem café o dia perde e você pira.

Cibele soltou!

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Ross solta Phobe do mesmo jeito que Cibele me soltou. - Não solta! Cibele soltou. Cibele Soltou. Desespero, porém Carpe diem. Por alguns segundos esqueci a raiva. Eu não andava de bicicleta, mas com a bicicleta. Tipo a Phoebe. ( Acesse este link e confira ) Desci ladeira abaixo na mais profunda sensação de liberdade. O guidão da bicicleta me guiava até me dar contar que Cibele havia desobedecido meu apelo. Por mim, poderia ficar pedalando o dia inteiro, debaixo daquele sol endiabrado. Que seja. Era como voar.  Quando olhei pra trás e vi que Cibele não estava mais comigo, me desesperei. Fui de encontro à parede. Senti-me traída. Primeiros sinais de uma legítima canceriana. Fiz drama. Estava indignada. Porra, velho. Cibele havia me abandonado. Minha irmã. O que esperar do mundo? As horas se passaram naquele dia que não me recordo à data e carregaram a raiva para um lugar distante. Os anos me mostraram que não havia sido traída. Fui ficando cada v...

O causo de Antônio: Entre a espingarda e a caneta

De dia um sol endiabrado. De noite uma vista angelical. As três Marias desfilam na imensidão azul acalmando os pensamentos e o coração de Antônio. Recebeu nome de Santo, pois segundo a crença popular, menino que nasce com o cordão umbilical enrolado no pescoço tem que atender por Antonio. À espera do sono, o menino raquítico e de índole em formação divaga diante de uma cachoeira de sonhos. Um deles é crescer e ser um grande escritor.  A primeira vez que segurou uma caneta sentiu um tremor na mão, pois as palavras queriam encher o guardanapo de histórias. O mesmo sentimento de quando levantou uma espingarda.   A ausência de sono o deixava feliz, pois era o momento mais propício para escrever e desenhar causos do cotidiano. Quando lhe faltava papel ou guardanapo, descansava sua criatividade na parede no pequeno quarto sem cor, sem vida, lotado de mofo. A casa do miúdo Antônio perdia-se no meio do sertão. De alvenaria, com poucos cômodos, um fogão a lenha e um bocado de ar...

Andarilho Viajante

Outro dia, ouvi dizer, na calçada de vovó, que ele passara tão depressa que não se escutou um ‘Bom dia’. Não aguenta ficar parado em canto nenhum. Sobe ladeira em Olinda, desce a chapada do Araripe com invejável flexibilidade, se esconde entre as árvores de Eucalipto e se deita na nascente mais próxima. Andarilho viajante às vezes espera na janela, gosta de ver o entardecer do sertão e o luar que se estende por todo o céu estrelado. Falando em estrelas, adora sua companhia, pois sabe que elas são confiáveis e iluminam o caminho de quem está à deriva. Aliás, dia desses, andarilho viajante perdeu-se no meio da serra e precisou da ajuda de suas amigas brilhantes. Cruzou no caminho de uma onça. Sem o animal perceber, ele o seguiu. Chegou numa toca onde a onça estirou as patas e começou a cochilar. O danado do andarilho tropeçou numa grota e a onça brava que só ela foi averiguar. Escondeu-se tão bem que o bicho não achou. Escondeu-se melhor que o sol em fim de tarde. Mas o mérito não ...