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Mostrando postagens de 2013

Marcelle

Marcelle, com dois “L”, utiliza o mais alto tom de voz que possa existir. Mais branca que leite de caixa, suas veias aparecem sem receio. Baixinha, larga e branca: formato A4. Gosta de música e caminhada. Os fones de ouvido já fazem parte dela assim como qualquer membro do seu corpo. Certamente, são os causadores do elevado zumbido quando abre a boca. Marcelle gosta de diálogos, mas não tira os fones para tornar a conversa mais agradável e menos pública. A branquela conta sua trajetória de vida e a rotina maçante de todos os dias e há de quem a interromper. Marcelle é exagerada. Marcelle procura um namorado, chegou a dizer que não entende porque ainda está solteira. É, Marcelle, não está fácil pra ninguém. Os cabelos de Marcelle são pintados de uma cor que ainda não pude identificar, apresenta um tom alaranjado disfarçando a raiz de fios castanhos claros. São cacheados. Sempre enrolados em um pompom da década de 80, aqueles grossos, preto, que só dão duas voltas. Marcelle possui p...

Paradoxos

Acabei de encher os olhos de lágrimas (pela quarta vez) assistindo o filme Marley e eu . Tenho medo de cachorros, na verdade, de animais. Sou de 1992, mas quando meus pais contam as histórias de 1970/80 morro de inveja. Quero ter 30, mas não tenho vontade de envelhecer. Não sou devota de Padre Cícero, mas tenho três fitinhas amarradas no pulso esquerdo há dois anos, em homenagem ao padim. Adoro frio, mas quando faz frio peço calor. Não gosto de festa, mas fui seis dias consecutivos, até na chuva, eu estava lá. Prefiro show à festa. Sítio é o melhor lugar do mundo pra se viver, mas moro no centro da cidade. Quando tem muita gente ao redor reclamo, quando não tem ninguém acho dez vezes pior. Azul certamente é minha cor favorita, mas no guarda-roupa ela aparece timidamente. Nunca chorei (apenas enchi os olhos de lágrimas) assistindo um filme, mas solucei no último episódio do seriado Friends . Em dias chuvosos ando sempre com o guarda-chuva, mas não utilizo. Uso bastante as redes soc...

Gostaria

Gostaria de viver andando pelo mapa. Gostaria de ser as águas agitadas de um oceano pacífico. Cada montanha uma lembrança, cada lembrança uma gargalhada. Gostaria de escutar o eco dessa risada estrondosa. Ser infinito, não sei, mas ir além da porta, quem sabe. Gostaria de lembrar como é viver dentro de uma barriga e achar isso bom. Gostaria de chegar no resultado de uma equação. Equalize. Gostaria de brincar todos os dias como se fosse o último dia. Gostaria de ser um  Urubu  ..como voa alto! Gostaria que houvesse menos cordialidade e mais honestidade. Gostaria que esperança não fosse motivo de deboche e que a ilusão fosse passageira. Gostaria que as pessoas que reclamam de tudo e fuxicam de todos não fossem as mesmas que furam a fila do banco. Gostaria que os “achismos” fossem achados boiando no mar por falta de conteúdo. Aliás, gostaria que beleza não entrasse no conteúdo, até porque considerar beleza como essência seria uma p... leseira. Gostaria que o congresso nacion...

Dedicatória

            Toda manhã pergunta se quero tapioca e diz que tem café. Se ficar ali na cozinha a conversa se alonga até a hora do almoço. Agora, ela não coloca mais minha comida por que tive que diminuir na quantidade e mudar o tipo de prato, de fundo para o raso. Certa vez, confundi o prato que ela preparou com uma montanha. Acorda cedo e debulha feijão, vai à rua, ajuda quem a procura, se preocupa e quando estou de saída se despede com um “Boa sorte” e que “Deus acompanhe”. Vejo nos olhos dela uma felicidade sincera. Uma felicidade que uma mulher só é capaz de esboçar depois que passa pela tal experiência de ser mãe. E toda vez que eu saio de casa imagino o quanto ela fica aflita, por que o mundo não sabe o amor que envolve aquela aflição e no mundo falta exatamente o que tem de sobra pra ela. É que no mundo, na maioria das vezes, há aflição, mas não há amor suficiente pra compensar.            Ela confia, ela ac...

Cuide bem do seu amor!

Não contente com o resultado do jogo, Joel prometeu que não iria mais ao estádio. Percebeu que era um torcedor fraco porque seu time era um fracasso. Mas, por que tanto amor? Por que o choro depois da derrota? A inconsolável tristeza da promessa o fazia perceber a dificuldade da separação. Os primeiros dias foram duros, tentava não sair de casa, se saísse seus conhecidos iriam comentar sobre o jogo e ele, em outros tempos, iria defender seu time, mas agora iria se calar. A situação crítica da saudade de Joel ocorreu duas semanas após sua promessa quando, pela janela, viu uma criança trajada com o uniforme do time do coração. Sentiu a nostalgia bater na porta, pois via o seu reflexo naquele garoto. Tentou a carreira, mas o barraram por causa do tamanho. Passou a escrever textos esportivos, sem publicá-los, guardava suas lembranças em cima das linhas tortas que ele mesmo pautava.  Eram poucas palavras. Toda sua emoção cabia em uma folha, afinal é um cara tímido e sucinto. ...

Fingimento cretino

Quando pensaram pela primeira vez em ficar juntos fizeram expressão de nojo, simultaneamente. Apesar de se conheceram há alguns anos os dois se abraçavam perdidas vezes. Quem os observava de longe notava uma certa aproximação no olhar e quem os analisava de perto sabia que daquele mato nunca sairia um “Eu te amo”. Um era ignorante, mas compreensivo. O outro era sensível, só que egoísta. Não sentiam frio na barriga quando se viam. Ajudavam um ao outro, mas sem segundas intenções ou beijo de agradecimento. Era uma relação infinita até que a morte chegasse.             Acontece que os dois tiveram que fingir. Fingir que eram apaixonados. Eram dois atores cretinos. Fingiram estar fingindo. Fingiram tão bem que se esqueceram deles e viraram personagens. E aí começou a temporada de beijos, abraços, amassos. Nada de promessas, afinal era um fingimento consciente. A decisão de “desencarnar” os personagens só veio quando um sentiu pela...

James Delícia

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James delícia era um pacato estranho. Caseiro, mas sempre queimado do sol. Gostava de leite e nas sextas-feiras adorava baião. Ficou sozinho no mundo desde que o retiraram do todo que ele fazia parte. Magro feito um cabo de vassoura não tinha cuidado com a pele, era muito, mas muito estragada. Os buracos que circulavam seu rosto pareciam tentativas de expulsar toda aquela acne concentrada. Ninguém sabe o dia que James nasceu, mas foi registrada sua última expressão, antes que o devorassem. Tentaram forçar um sorriso no seu rosto, mas seus olhos amarelos indagavam a velhice. James Delícia não hesitou, ele se foi, mas satisfez e deu orgulho aos que o conheceram. Aliás, seu nome completo era: James Queijo Delícia.

Duas maçãs para Bem e Alguém

No momento em que mordi a maçã havia uma reportagem passando na TV. Um homem foi preso por roubar duas maçãs na feira de uma cidade do interior do Mato Grosso do Sul. Ele podia roubar uma dúzia, mas achou conveniente levar apenas duas. Duas maçãs era o que ele queria naquele momento, depois daria outro jeito. Ao ser questionado pela repórter o porquê de tal atitude, o homem de poucas palavras, cabelo grisalho, camisa branca aberta, sem botões, calção sujo de tinta, barba por fazer e olhos cobertos de secreção, mas que aparentavam esconder uma verdade refletida pela humildade e a vergonha do seu ato, apenas não respondeu. Carregado pela identidade de Benjamin, suas feições não apresentavam a ternura e a beleza que seu nome exala, mas revelou, de certo medo, o bem que Benjamin estava fazendo. Assim como milhares de pessoas que vivem nesse grande espaço, popularmente conhecido como Mundo, Bem é mais um nômade que traz consigo o fardo da desigualdade social. Porém, o que lhe incomoda...

Quero um amor de férias que dure a vida toda

Quero um amor de férias que dure a vida toda. Quero que ele passe junto comigo o inverno, verão, primavera e outono. Quero poder contar com isso, será possível? Amar o desconhecido, amar e simplesmente conversar. Nas férias da minha vida quero encontrar um amor. Um amor sincero, careta, e que ambos se apaixonem todos os dias. Não quero ficar pendurada no celular, quero apenas um abraço. Cair no aconchego do abraço mais verdadeiro e calmo. Não falemos de tempestade no início do verão, falemos do infinito. Quero um amor de férias que dure em todos os momentos. Que escute Legião no dia mais depressivo. Que entenda que nenhum pertence ao outro, mas o amor é recíproco. Quero um amor de férias que tenha paciência de assistir um capítulo de novela, mas que se exalte quando eu estiver errada. Um amor de férias que possa ser um amigo. Às vezes não precisa de beijo, só a sua mão embaraçado os meus cabelos. Um amor de férias que me deixe ruborizada. Quero um amor de férias que a...

O cotidiano do meio

No meio do caminho havia uma pedra. Assim o mundo começou, uma coisa sempre no meio da outra. No meio da rua há tudo e nada. No meio da rua tem vida. No meio da rua tem violência, tem conversa, tem história, música, poesia, barulho, pessoas. Na madrugada, no meio da rua não tem nada. No meio da madrugada tem silêncio se o telhado de sua casa não for um motel de gatos. No meio dos livros havia Nero e no meio de Nero havia fogo. A vida não tem metade e mesmo que tivesse não seria bom viver meio período entre nossos entes queridos.  No meio de Luiz Gonzaga havia uma sanfona, no meio de Brasil Gonzaga apareceu e criou o Baião. No meio, na frente, do lado do Tom há sempre o Jerry. Para a infelicidade de Seu Madruga, Dona Florinda sempre esteve em seu meio social. No meio de tudo há o Papa Léguas. Meio quilo de arroz alimenta metade de uma família. Nove e meio não é dez, pode até ser arredondado, mas esse meio não foi mérito seu.  Não existe meia maçã na gramática portuguesa, m...