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Mostrando postagens de 2014

O dia em que comi sabonete de óleo de amêndoas Jhonson’s

Não sabia que sou sonâmbula. A descoberta foi amarga e marcante. Dia desses, deixei o sabonete em cima da cama. Fui dormir e o sabonete ficou lá do meu lado. Às 05h30min acordei para ir ao banheiro e percebi um gosto diferente em minhas papilas gustativas. A embalagem do sabonete estava na minha mão. Apenas a embalagem. Não quis acreditar que tinha comido sabonete na calada da noite.  Esforcei-me para lembrar o que tinha comido antes de dormir. Tentei tirar o gosto ruim com inúmeras formas: escovei a boca incontáveis vezes, comi biscoito e nada de passar... Fui invadida por um desejo incontrolável. O desejo da fome, o pecado da gula.   É preciso enfatizar que eu estava DORMINDO! Pessoas normais vão até à geladeira e resolvem isso comendo coisas gostosas. Só que eu não. Uma crise de sonambulismo é pior do que tomar 3 doses de tequila+ 1L de cana + uma grade de cerveja. Você não tem noção do que pode fazer. A cozinha parecia longe. Para evitar a fadiga peguei aquilo que...

Aportuguesado

A língua portuguesa é difícil, não há como negar. Verbos transitivos e intransitivos, objetos diretos e indiretos, complementos verbais e nominais, adjuntos adverbiais, predicados, e tantos outros embaraçam as linhas cartesianas de muitos cérebros. Particularmente, gosto do português. Tanto do português daqui como daquele que atravessa o atlântico. Entretanto, amo o aportuguesado. Não sou fã da gramática pura. Há quem goste. Gosto da sonoridade, dos constantes eufemismos e dessas figuras de linguagem que carregam duplo sentido e enriquecem nosso repertório de piadas.  A vírgula mal colocada e por vezes, mal intencionada, pode gerar dubiedade. Outro dia fui explicar a uma amiga que utilizar o twitter é fácil: Ao invés de “Fulana, é fácil”, utilizei: “Fulana é fácil”. Como a amizade é de longa data e eu corrigir minha declaração rapidamente, não houve problema. E estou eu aqui escrevendo sobre a língua portuguesa, enquanto um programa de computador tenta me corrigir. #WORDVS...

Futebol entre o sagrado e o profano - A história de Leopoldina Jesus dos Santos

Leopoldina de Jesus dos Santos frequentava a igreja duas vezes por semana. Nas quartas-feiras ia pela manhã ao recinto religioso, munida de um terço com cores pretas e brancas. O objeto se entrelaçava em sua mão com tanta intimidade que dava pra imaginar que havia nascido com ela. Pedia que o todo poderoso abençoasse seus atletas. No domingo, depois do jogo, ia pra missa agradecer pelo resultado ou se desculpar pela a atuação da equipe. Mulher batalhadora, moradora do Grajaú (distrito de São Paulo), devota de Santo Expedito, responsável pelas causas impossíveis. A senhora de traços marcantes, expressões de efeito no rosto, mora numa pequena casa. Aos dezoito anos foi ao cartório retirar seu último sobrenome, considerava uma vergonha levar o nome do Santos na sua identidade. O altar levantado no centro da sala foi em homenagem a Expedito pela promessa realizada e ao lado da imagem do santo havia inúmeros quadros do seu time do coração, o Corinthians. A torcedora corintiana viajou mai...

O tal da vida

Há uma tal tristeza presente nesse coração. Há uma ilusão insistente que teima em permanecer. Há dias ensolarados seguidos de fortes pancadas de nebulosidade. Há uma tal vontade desesperada de companhia da solidão. Sentimentos avulsos e incoerentes são sintomas de uma tragédia anunciada ou de uma comédia improvisada. Houve um tempo em que a tristeza tinha fim e a felicidade era reciclável. Por anos, os dias não eram enfadonhos, o que culminava numa forte atração pelo verbo viver. Houve um tempo que não havia tempo para pensar. Algo parece estar errado. A inocência da criança foi perdida, a rebeldia da adolescência foi vencida pelos argumentos bem elaborados. Há uma tal beleza nas lembranças, há uma tal gentiliza naquele olhar. Há uma aflição oriunda de um tal prazer duvidoso que permanece na linha da neutralidade. Há guerra, seguido de um tal descontentamento impróprio para a idade. Há vício de sonho. Tudo se modifica, nada mais se solidifica. Sim, agora é tudo ou nada...

Mar noturno

Já vi infinitas cenas de novelas e filmes em que os protagonistas vivem uma das melhores sensações que um ser humano pode sentir: entrar no mar à noite. Sempre quis fazer isso, parece que lava a alma, renova suas forças, revigora sua crença em si e no mundo e coloca mais tempero em sua vida, literalmente. Na noite de sexta-feira passada, depois de 21 anos de existência, consegui realizar esse desejo. Entrei no mar como se estivesse reconhecendo um velho amigo, reencontrando-o. E realmente estava. Sem preocupação alguma, esqueci-me de tirar até o relógio que havia comprado no camelódromo (ele não é à prova d´agua). Mas, eu estava no mar 23h00min, pulando ondas, ‘tomando caldo’ e agradecendo a Deus por aquela oportunidade, juntamente com os meus amigos. Em um dos mergulhos, segui o conselho que estava escrito na blusa que vestia: “HAKUNA MATUTA”. Não se preocupe com sua roupa molhada, com seu cabelo cheio de areia e sal ou com o seu dinheiro ensopado. Não se preocupe com nada. Meia ho...

Dredão

Em meados de 2003, deixei de pentear o cabelo. Não me pergunte o porquê, nunca saberei explicar e mesmo que soubesse os argumentos não seriam convincentes. Comecei a sentir o que era depressão e esquizofrenia. Tornei-me uma adolescente antissocial.  Foram tempos difíceis, não há como negar. Tarefas simples do cotidiano eram obstáculos enormes na minha rotina; Encostar a cabeça no travesseiro: impossível; Usar shampoo: preocupante (poderia causar mofo no nó); Conversar com os amigos: angustiante; ir pra aula: aterrorizante; Sair de casa: sufocante. Não é fácil desatar um nó, qualquer que seja ele. Esse nó, especificamente, mexia com a autoestima e com o psicológico. Foram dois anos e meio convivendo com algo que você não gosta, mas continua deixando ali pra não piorar a situação. Só que o ruim sempre pode piorar. E piorou. Pensei em fugir, fiz uma lista negra, desaprendi as regras da boa convivência. Em outubro de 2005, minha irmã decepou o dedrão da minha cabeça. Passamos hora...

Né, não?

 “Né, não?”. Experimente dizer não. Outro dia a senhora que comprava pão, logicamente na padaria, disse a seguinte frase: - Esses políticos são ‘tudo’ uns ladrões, né, não? Em minha mente concordei parcialmente, pois se ela não tivesse introduzido a palavra ‘tudo’ estaria tudo OK, porque uma coisa que eu aprendi nessa vida é que nunca se pode generalizar.  E aqui não entra aquele ditado “nunca diga nunca”. Nunca se pode generalizar. Pois bem, a senhora de 80 e poucos anos simpatizou com minha cara. Olhado fixamente para mim, ela explanou: - Tá tudo muito caro, né não, minha fia? Mais uma vez concordei parcialmente, mais do que na primeira vez. O gesto de balançar a cabeça afirmativamente não demonstra que você está concordando apenas em partes. E era por isso que ela estava gostando de monologar comigo. Sentindo-me agoniada por causa da fome, comecei a ficar ligeiramente irritada com o tom elevado das exclamações da senhorinha que gosta de utilizar ‘tudo’ ...

Breve diálogo de infância

Março de 1990 - Por que seus cabelos são brancos? - Stress... - O que é stress? - Algo que você ainda não tem... - Me explica o que é. - Estou apressado... e por que você não pergunta a sua mãe? - Por que eu não a vejo com tanta frequência como eu vejo o senhor. - Primeiramente, não me chame de senhor. Segundo, eu nem te conheço... E terceiro, cadê sua mãe? - Primeiramente, o chamei de senhor por educação... 'Segundamente', eu vejo o senhor todos os dias lá de cima... 'Terceiramente', minha mãe está em casa, não fico muito tempo lá. - Lá de cima? - Da árvore, passo o dia inteiro lá... Nas férias contei todos os seus cabelos brancos. - Impossível, são incontáveis. - Contei na semana passada e dava pra contar sim, eram poucos... Hoje contei novamente e por isso que vim conversar com o senhor... - Você veio conversar comigo por que percebeu que meus cabelos brancos aumentaram? - Aham. Será por conta desse “stress”? - Certamente. - Tenho...

Repertório

Suponho que você já tenha falado, pelo menos uma vez na vida, sozinho. Suponho que já tenha ido a um estádio, que já tenha passado por alguma situação constrangedora, imaginou que poderia ser um super-herói, achou que determinada música foi escrita especialmente com base em sua relação amorosa. Tenho certeza que você já riu de alguém, sem perceber que alguém estava rindo de você também.  Tenho uma certeza quase absoluta que você se “apaixonou” algumas vezes. Suponho que você já caiu de bicicleta, tirou nota baixa, passou por umas crises de idade, respondeu a sua mãe, não quis tomar banho, quis ir morar em Pasárgada, sentiu vergonha quando seus pais estavam presentes na sala e passava alguma coisa inapropriada pra vocês assistirem juntos, quis agradar alguém, olhou pra trás e tirou a calcinha/cueca de algum lugar, sentiu dor de barriga em um horário ruim, conversou com uma pessoa chata, conversou com uma pessoa legal, escutou atentamente os conselhos dos mais velhos sem necessar...